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Tem moeda e bandeira próprias, mas não é um país. “Parece um universo paralelo”

A portuguesa Andreia Coutinho visitou o destino onde “o passado soviético continua congelado no tempo”.

Entre a Moldávia e a Ucrânia, há um território separatista com pouco mais de 4.000 quilómetros quadrados que aspira a ser reconhecido como país. Embora possua um governo, bandeira, hino nacional, passaporte e matrículas de automóveis próprias, a Transnístria, ou República Moldava da Pridnestróvia, não é reconhecida como independente pela comunidade internacional. Foi, inclusive, a primeira “nação” a colocar em circulação dinheiro de plástico. 

A Transnístria, que fez parte da União Soviética e é apoiada pela Rússia, preserva a única bandeira do mundo que ainda exibe uma foice e um martelo, símbolos do comunismo. Com uma extensão de apenas 200 quilómetros quadrados e uma população de cerca de 400 mil habitantes, declarou a sua independência em 1990, após o colapso da URSS, levando a um violento conflito militar que resultou em numerosas vítimas.

O cessar-fogo de 1992 fez dela uma “nação fantasma” com um governo próprio; Aleksandr Rosenber é o primeiro-ministro e Vadim Krasnoselski é o presidente. Embora possua símbolos soviéticos e uma cultura distinta, a região permanece sem reconhecimento internacional. Com a maioria do seu território localizado na margem oriental do rio Dnié, alguns optam por descrever este lugar como “um parque de diversões soviético”.

“É como entrar num portal para um universo paralelo saído de um livro de ficção política, onde o passado soviético continua congelado no tempo e o futuro é um mistério”, diz a viajante Andreia Coutinho, de 32 anos, que visitou o território separatista no passado mês de agosto. Já viajou por mais de 112 países, mas considera a Transnístria um dos destinos mais fascinantes que já conheceu.

Na prática, funciona como um país: é necessário atravessar a fronteira e apresentar um passaporte para entrar. A única moeda que aceitam é a própria, e os elementos da era soviética estão omnipresentes; estátuas de Lenine enfeitam praças e ruas nomeadas em honra dos heróis da Revolução de Outubro — o evento que estabeleceu a Rússia como a primeira nação socialista da história.

Os fãs de futebol também são capazes de reconhecer o nome desta região, já que é lá que fica o clube com mais títulos da Moldávia: o Sheriff Tiraspol que surpreendeu o mundo ao derrotar o Real Madrid na Liga dos Campeões, em setembro de 2021.

O estádio do Sheriff é uma das principais atrações da região, mas foram as estátuas de Lenine que deixaram uma impressão mais forte em Andreia, que passou um dia na Transnístria.

@owlian

Quando a URSS colapsou, a Transnístria, com uma população maioritariamente russa e ucraniana decidiu declarar independência. E após um conflito armado em 1992, tornou-se uma ‘nação fantasma’ com governo próprio, símbolos soviéticos e cultura única, mas sem reconhecimento internacional. 😬 #transnistria #uniaosovietica #transnistriaemoldova #portuguesespelomundo

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“O meu namorado, os meus pais e eu estávamos a fazer uma road trip pela Roménia. Como nunca tinham visitado a Moldávia, achei que seria interessante ir até lá. E sempre tinha ouvido falar da Transnístria como sendo um destino peculiar”, conta Andreia, designer gráfica. Apesar de saber que a região não era particularmente recomendada devido às tensões militares na região, consequência da guerra na Ucrânia, a curiosidade falou mais alto.

A viagem de carro a partir de Chișinău, a capital moldava, até à  “fronteira a brincar” do “país que não existe”, levou cerca de uma hora. “Chegámos lá e pediram-nos o passaporte, mas só tínhamos o cartão de cidadão. Eles acabaram por aceitar na mesma e deixaram-nos entrar”, recorda.

O “ambiente soviético” de que tanto ouviu falar rapidamente se fez sentir. Para Andreia, foi como entrar “numa cápsula do tempo”. “Estávamos na União Soviética, com estátuas do Lenine, com edifícios de arquitetura marxista-leninista. Algo completamente diferente de tudo o que já vi”, sublinha. 

O culto à figura de Vladimir Lenine é visível com várias estátuas em sua homenagem. O busto mais conhecido está no Palácio Presidencial, mas é preciso ter cuidado ao fotografá-lo, pois o governo considera que certos ângulos podem comprometer segredos de estado. Outra estátua, de corpo inteiro, encontra-se em frente à Casa dos Soviéticos, que aloja o Parlamento. Nas proximidades, um pequeno monumento presta homenagem a figuras icónicas da União Soviética, incluindo Yuri Gagarin, o primeiro homem a viajar pelo espaço a bordo da nave Vostok, oito anos antes de o homem pisar a lua.

Apesar de toda a pesquisa prévia, o que mais a surpreendeu foi o facto de não aceitaram euros em lado nenhum. Embora soubesse que a região possuía moeda própria, desconhecia a rigidez relativamente a divisas estrangeiras. “Também não aceitaram cartões e não há propriamente uma máquina de multibanco para levantar dinheiro. A única forma era ir a uma casa de câmbio, mas como só íamos ficar lá uma tarde não valia a pena. Foi um stress, acabámos por não conseguir comer nada, apenas conseguimos beber um copo de água num café”, lamenta.

A maioria da população fala russo, ucraniano ou moldavo, mas é possível comunicar em inglês. “Do pouco tempo que lá estive, consegui perceber que os habitantes são extremamente patriotas”, revela.

Durante o dia que passaram em Tiraspol, a capital da Transnístria, esta estava quase deserta de turistas. O tempo foi passado a conhecer as praças principais e as lojas de conveniência, mas um dos locais que mais a intrigou foi um parque infantil. “Parecia um pouco como a antiga feira popular de Lisboa, com vários carrosséis, que pareciam dos anos 90. Estava tudo a funcionar, mas não estava lá ninguém e estava cheio de ervas daninhas”, recorda.

Embora não tenham pernoitado por lá, a região tem vários alojamentos turísticos, como o Park Hotel, antes conhecido como Aist, que abriu portas em outubro de 2022. Situado à beira do rio, o hotel dispõe de 29 quartos, uma sala de conferências e outra de banquetes, podendo ser reservado para eventos. Os preços começam nos 50€ por noite.

Como lá chegar

A forma mais simples é voar até Chișinău, capital da Moldávia, e seguir de carro. Se partir de Lisboa, encontra bilhetes de ida e volta a partir de 181€. Caso apanhe o avião no Porto ou em Faro, os preços começam nos 272€ e 322€, respetivamente.

Carregue na galeria para ver algumas fotografias da Transnístria.

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