António Perez Metelo nasceu em 1949, em Madrid. Filho de um pai português e de uma mãe espanhola, foi criado pela avó materna, uma vez que a mãe morreu durante o parto. Veio morar para Lisboa, quando ainda era miúdo, tendo concluído o seu percurso escolar, desde o jardim de infância até ao liceu, na Escola Alemã.
Terminada a escolaridade obrigatória, em 1969, António ingressou no curso de Económicas no ISCEF (antigo ISEG), a única faculdade que existia na capital portuguesa. Ainda enquanto estudava, aos 23 anos, começou a trabalhar no Sindicato dos Químicos de Lisboa, como jovem assessor para a contratação coletiva e foi nesse período que tudo começou.
Vivia em Campolide, com a mulher, quando nos últimos dias de abril de 1973, de madrugada, a PIDE entrou na sua casa. “Fui denunciado por um elemento, um responsável das atividades clandestinas em que eu estava envolvido, que era considerado um ato anti colonial, um delito de opinião”, começa por contar à New in Oeiras.
E acrescenta: “Na altura, tive camaradas a fugirem para o estrangeiro, porque também foram denunciados, mas eu pensava que, no meu caso, não seria necessário. Sabia que podia ser preso, de tal forma que queimei todos os papéis que tinha no quintal da minha casa”.
António publicava um boletim, intitulado de “Guerra Popular”, que dava informações, através de contactos que tinha fora do país, como comitês anti coloniais pela Europa, que na altura não eram permitidos pelo regime. “O objetivo dessa publicação era contar ao estudantes de várias faculdades como as coisas realmente estavam, nomeadamente que na Guiné a situação estava muito difícil para o exército português, por exemplo. Aquilo que passavam para a população não era verdade”, afirma.

Na madrugada da detenção, António foi “recambiado” para a prisão de Caxias. “Estive em isolamento, como faziam com todos os presos políticos, durante seis meses. Fui interrogado em vários períodos, mas como a organização a que pertencia não tinha grande expressão, o meu processo ficou fechado e fiquei a aguardar julgamento até março de 1974”.
Ficou preso no reduto norte da prisão de Caxias durante quase um ano, sendo que seis meses foram passados em isolamento. “Nos interrogatórios, faziam-nos torturas, como a do sono. Lembro-me que depois de um interrogatório e várias horas sem dormir, estava ‘bêbedo’ de sono. Voltei para a cela e, assim que cheguei, o guarda pegou em mim e levou-me outra vez para interrogatório. Nesse momento, tinha de ficar em estátua sem me poder encostar a nada apenas a responder às perguntas”, conta.
À porta de cada cela, existiam folhas com o nome do recluso e a forma como os agentes se deviam comportar para conseguirem obter respostas dos prisioneiros, com uma certa psicologia envolvida. “Nessa altura, era o tempo de Marcelo Caetano, os interrogatórios não eram tão sangrentos”, diz.
Uma das histórias que mais marcou António, em Caxias, foi a greve de fome feita por ele e pelos camaradas para ‘salvar’ um companheiro que estava em em interrogatórios, com torturas, há vários dias. “Como as portas do nosso andar abriam de fora para dentro, bloqueámos a entrada aos PIDES, e fizemos greve de fome. Durou cerca de três dias e sempre que tínhamos visitas gritávamos bem alto: ‘Greve de fome’”, recorda.
O julgamento
“Fui julgado em março de 1974 e o meu julgamento foi o último que chegou ao fim, antes da revolução. No dia 25 de abril estava marcado um julgamento de militantes do MRPP, mas nunca foi concluído.”
Foi julgado no Tribunal da Boa Hora, em Lisboa, e entre as penas aplicadas aos restantes camaradas, alguns com pena suspensa e com os ‘direitos’ de voto suspensos, foi condenado a três anos e meio de prisão, pena considerada severa. Assim que terminasse esse período, como não podia votar por ser estrangeiro, era deportado para Espanha.
“Toda a gente percebia que o regime não estava ‘igual’. Quando o juiz me disse que me ia tirar o direito ao voto e ia ser deportado depois da pena, a sala (que estava cheia) desata-se a rir, como se fosse uma piada”, conta com um sorriso na cara.
“Durante a sessão, quando me foi permitida a palavra, afirmei que não esperava menos que isso, uma vez que estava a ser julgado por inspetores da PIDE — que faziam com os prisioneiros o que muito bem entendiam. E disse perante o tribunal que tinha a certeza que não ia cumprir esses anos porque sabia que o regime estava em decadência”, afirma.
Para tribunal, António levou escondidas algumas ‘cábulas’, com provas de que o regime estava fraco e ‘por um fio’, presas na parte de dentro do cinto. “Sabia que ia ser revistado, colei as notícias dos jornais, não censurados, que ia colecionando, no cinto e contei tudo o que sabia, das aldeias estratégicas em Moçambique para arrebanhar as populações, os mortos que faleceram na Guiné por acidentes de viação, sítio que não tinha um quilómetro de estrada”.
Com a sentença definida, António foi levado para a Fortaleza de Peniche para cumprir pena, no final de março de 1974. Como tinha vindo a dizer, ficou preso apenas umas semanas, porque a 25 de abril de 1974 deu-se a Revolução dos Cravos.
O 25 de abril na Fortaleza de Peniche
As rotinas em Peniche eram diferentes do dia a dia na prisão de Caxias, havia o regime de céu aberto, onde cada preso (apenas presos políticos, que estavam separados dos reclusos comuns) recolhia à sua cela apenas à noite. Tinham duas horas de recreio, recebiam visitas e podiam realizar atividades como jogar voleibol.
“Este regime mais livre só foi conquistado depois de muita luta, lá dentro, muitos espancamentos e muita violência”, defende. Todos os dias, havia um grupo de prisioneiros que, a partir das 7h30, ia para o pátio fazer exercício físico e ligava o rádio para ouvir as notícias das oito.

“Quem controlava a sintonização da rádio era a secretaria da cadeia para nós não ouvirmos rádios clandestinas, só podíamos ligar e desligar o aparelho, sempre no mesmo botão”, revela.
O dia 25 de abril foi um pouco diferente. Nessa manhã, ao tentarem ligar o rádio, perceberam que este não funcionava. “Avisámos que não estava a funcionar, aos PIDE, e eles deram-nos uma desculpa esfarrapada, disseram que já tinham reparado e estavam a tentar arranjar. Achámos estranho.”
Nesse mesmo dia, um dos camaradas fazia anos e, como acontecia sempre em aniversários, a cadeia permitia visitas de familiares. No entanto, tal não aconteceu. Começaram a perceber que algo se passava e já no fim do dia, quando recolhiam às suas celas, um dos guardas confidenciou que “estava a decorrer uma revolução em Lisboa”.
A partir desse momento, António e os camaradas exigiram falar com o diretor para tentar perceber como estava a situação e se estavam em perigo. “Na noite de 25 para 26 de abril, recusámos regressar às celas e passámos a noite em claro”.
A 26 de abril, a Marinha Portuguesa ‘tomou’ conta da Fortaleza e na madrugada de 27 de abril, pelas duas da manhã, António e os camaradas saíram em liberdade. “Havia pessoas e familiares à nossa espera e nós saímos, muito alegres e contentes a cantar abraçados”, conta.
O período depois do 25 de abril
Já em liberdade, António trabalhou numa empresa de construções de pavimentos chamada “SoNorte”. Mais tarde, em 1978, começou a trabalhar como jornalista.
Com 29 anos, fundou as informações do canal 2 e, anos mais tarde, em 1992, fundou a SIC. António tem 75 anos, vive em Caxias e colabora em inúmeras iniciativas relacionadas com a liberdade e questões climáticas, no âmbito do projeto “Evoluir Oeiras”.
“Aproveito e deixo um apelo, no dia 2 de maio, pelas 17h30, vai decorrer no Palácio dos Anjos, em Algés, uma conversa intitulada de ‘Votar, Sempre’ a propósito dos 50 anos das eleições livres para a Assembleia Constituinte, com testemunhos de uma cidadã que votou pela primeira vez. É gratuito, apareçam”.
