Em 2024, o Festival da Canção da RTP celebra 60 anos. A primeira edição aconteceu e 1964, marcada pela vitória de António Calvário com o tema “Oração”. Faltariam ainda 33 anos para nascer Rita Onofre e outros tantos para ser composta “Criatura”, uma das 20 canções a concurso na edição deste ano. No dia 2 de março, Rita vai subir ao palco da segunda semifinal da competição.
A jovem cantora e compositora, com 27 anos, faz parte do grupo de 20 participantes, todos com vontade de chegar à final, a 9 de março, e conquistar a vitória que levará um deles a representar Portugal na Eurovisão, em Malmö, na Suécia.
Rita cresceu no concelho de Oeiras, entre o Dafundo e Algés, fez parte de uma banda, Sease, só com membros oeirenses e, atualmente, passa muito do seu tempo no estúdio Great Dane, em Paço de Arcos. Nos últimos anos, alguns dos seus concertos mais importantes foram também realizados por estas bandas, como aconteceu no palco Coreto do NOS Alive, em 2023, e no Out Jazz, no ano anterior.
Antes de começar a grande aventura do Festival da Canção, falou com a New in Oeiras sobre o seu percurso na música, os trabalhos já lançados, as expectativas para o festival e os projetos que tem em mãos.
A paixão pela música começou cedo. Foi através da família?
Cresci com o meu pai a tocar guitarra. Era um excelente guitarrista, nunca seguiu esse caminho profissionalmente, mas era um artista. Cresci com ele a tocar pela casa, havia sempre música em background. Tínhamos o ritual de cantar enquanto arrumávamos a cozinha. Era uma confusão bonita. Então comecei a ter ouvido para a música, mesmo sem saber nada da área, mas a conseguir ouvir um acorde e saber se estava certo.
Com que idade começou também a cantar e a tocar?
A cantar foi com uns cinco ou seis anos, cantava na igreja, com a família, mas não era uma coisa a sério. Depois, com uns dez ou onze anos comecei a tocar guitarra para imitar a minha irmã. Mas fazia-o à minha medida. Ficava viciada em loops de acordes e ia experimentando.
Foi nessa altura que começou também a escrever?
Escrevo poemas desde pequena, pôr as letras no papel sempre foi natural para mim. Sempre foi muito terapêutico. Era um sítio onde me perdia. Tinha insónias e ficava acordada a escrever música, a descascar o que ia cá dentro. Sempre tive uma enorme sensibilidade ao mundo. Escrevi a minha primeira canção aos 12 anos, em inglês. Falava de temas profundos, para uma miúda, na altura. Tive muita sorte, porque a minha família sempre me apoiou no que fazia, ficava sempre entusiasmada com o que eu criava e a dar-me força. Aos 15 anos entrei no curso profissional de Produção e Tecnologias da Música da Escola Profissional de Imagem da ETIC, e fui estagiar para Roma, nos estúdios Groove Farm. Acabei por gravar lá essas primeiras músicas para mostrar à minha família, foi engraçado.
Quando é que começou, de forma mais séria, a cantar o que compunha?
Sempre tive vergonha de me assumir cantora. Compor é libertador, mais do que só cantar. Completa-me. E a partir daí fui descobrindo a minha voz. Há um processo de saber o que quero dizer ao mundo, é um caminho bonito. Tive aulas de voz com a Joana Espadinha e passei pela Escola de Jazz Luiz Villas-Boas. Aos 16 anos criei a banda de indie pop SEASE, com o Choro e o Gonçalo Vasconcelos. Aí dei os primeiros concertos e chegámos a algumas rádios, como Vodafone, Antena 3, Oxigénio e TSF. Fui sempre estudando, acho que é importante aprender a ter controle sobre a minha música. Ainda hoje, sou muito exigente e vou sempre mais além para que o resultado seja o melhor possível. Tenho a sorte de me cruzar com pessoas, com quem vou trabalhando, que me ajudam e acrescentam muito ao meu projeto.
De que forma crescer no concelho de Oeiras a inspirou a escrever e a compor?
Com os Sease, compúnhamos muito em Paço de Arcos. Íamos para junto do mar, sempre foi pano de fundo para a música, para o convívio entre amigos, para compor. Fosse a fazer música ou a beber um copo, sempre frequentei esta zona, até para gravar vídeos das músicas. O Great Dune, o estúdio que frequento fica em Paço de Arcos, ou seja, a minha vida profissional passa muito por Oeiras. É perto de Lisboa, mas ao mesmo tempo, longe da confusão, permite-nos respirar, o ar é outro.
Foi apenas durante a pandemia, em 2020, que começou a editar em nome próprio e a apostar nas canções em português. A que se deve a mudança?
Nessa altura, comecei a ouvir mais música em português com a qual me identificava. Posso citar nomes como Joana Espadinha ou Jura. Começaram a surgir artistas com uma originalidade que antes não sentia. Dá-nos força ver pessoas a fazerem a música que realmente querem fazer. E comecei a perceber que dava para fazer música em português. “Haja Sempre” foi o primeiro single, em 2020, seguido de outros que foram integrados em duas coletâneas: “Ao Pé de Mim” nos Inéditos Vodafone 2020 e “À Porta” nos Novos Talentos Fnac 2021. A boa receptividade e o apoio das rádios nacionais foram parte da motivação para lançar o primeiro curta duração, o EP “Raiz”, em 2021. Aí decidi lançar as músicas uma a uma. Acho que temos que dar tempo ao público de as receber, de as sentir, aos poucos.
Em fevereiro de 2023, estreou-se no formato de longa duração “hipersensível”. Como o descreve?
É um trabalho mais maduro. São dez canções hipersensíveis, da lírica aos arranjos, das vozes às confissões. O processo criativo das músicas foi diferente. Já dava alguns concertos, então ao mesmo tempo que íamos montando os espetáculos, o meu guitarrista ia dando ideias de alguns arranjos. Tive oportunidade de ir trabalhando alguns temas com os arranjos da banda. Além disso, tentei manter sempre a crueza da composição na voz. Queria que houvesse fragilidade e vulnerabilidade. Escolhi como singles os temas “Perdoei” e “Rancor”.
Chegamos ao final de 2023, a ser selecionada como autora do Festival da Canção 2024, através da livre submissão de canções. Por que decidiu arriscar?
Dentro da música, faço muitas coisas, proponho-me a muitos desafios. Candidato-me a várias coisas, para mostrar a minha música. “Criatura” é um tema que compus e ia lançá-lo. O arranjo da música estava a seguir um caminho que não se enquadrava com o “hipersensível” quer era mais cru e acústico. Surgiu a admissão do Festival da Canção e decidi enviar a música. Sinto que é uma conquista gigante, porque é uma música mesmo minha. Não é uma música criada para o festival. Vou estar em palco a mostrar o que sou. Numa plataforma tão grande como é o festival.
É a própria Rita que vai interpretar o tema. O que é esta “Criatura”?
A “Criatura” é um ritual de libertação em canção. É descobrir que se é grande. Por vezes escrevo para me lembrar e esta partiu de uma primeira demo que se chamava “carta a mim”. O tema foi ficando cada vez mais claro na minha cabeça, e de repente estava a escrever sobre uma criança que vivia em estado constante de alerta e medo, mas que sentia uma paz enorme sempre que começava a escrever poemas, depois canções. Como criar tira o aperto no peito, o nó da garganta. É um super poder que eu agora levo comigo.
Como é que está a ser pensada a atuação?
Pensar no espetáculo do palco tem sido desafiante. Porque sou muito expressiva em palco, mas é uma coisa natural, do momento. Aqui tem de ser premeditado. É diferente. É a primeira vez que tenho de pensar nas câmeras. E estou a voltar à dança, estou a trabalhar com um bailarino, o Renato Garcia, que me está a ajudar a montar a atuação, para tudo fazer sentido. Tenho uma equipa a trabalhar no conceito de palco, que se identifica muito com a história, é maravilhoso.
Quais são as expetativas?
Queria ganhar. Mas, sobretudo, quero ser feliz em palco. Estou focada a fazer o melhor que consigo e a viver tudo isto com abertura e uma postura bonita. Tenho muito orgulho. Além disso tenho amigos que também estão a participar e é muito giro estarmos a passar por esta experiência juntos.
Rita dedica-se também ao Rima, um coro que se reúne todas as semanas, às quartas-feiras ao final da tarde, na produtora Great Dune, em Paço de Arcos. É onde, a par com a vocal coah Mariana Pedrosa, apoia pessoas a redescobrir a sua voz e a cantar sem medos . Uma forma de “cantar em comunidade” que tem tido como foco a música portuguesa. “É um projeto que quero ver crescer. Queremos chegar a mais pessoas”, conta. Se ficou interessado, seja a página de Instagram para acompanhar o Rima.
Pode ouvir a canção “Criatura”, no vídeo abaixo. Aproveite também para acompanhar o trabalho de Rita Onofre através das redes sociais, como Facebook e Instagram e conhecer mais do seu trabalho na página de YouTube ou no Spotify.