Enquanto se ouvia o forte aplauso final, com todos os atores juntos em palco, a agradecer, o encenador Celso Cleto pediu para dizer umas palavras. Eram 11h35 de terça-feira, 15 de novembro. “Faltam 25 minutos para se assinalar oficialmente o centenário de José Saramago”, autor da peça “A Noite”, que o público acabara de ver. Entre elogios ao escritor e reflexões sobre o espetáculo, Cleto termina o pequeno discurso com um “Viva a liberdade!”.
Para perceber o sentido desta exclamação, precisamos de conhecer o contexto da história que ali se contou. Baseada na obra dramática (a primeira que escreveu, publicada em 1979) de Saramago, a peça transporta-nos para a redação de um jornal de Lisboa na noite de 24 para 25 de abril de 1974. Uma noite marcada para sempre na história do País, e vivida de maneira muito diferente por cada pessoa, incluindo as personagens daquele jornal.
Ouve-se o bater das teclas das máquinas de escrever e músicas como “E depois do adeus” de Paulo de Carvalho e “Grândola Vila Morena” de Zeca Afonso, saídas de um rádio a pilhas. O cenário, inalterado durante toda peça, tem mobiliário de época, usam-se telefones fixos e os outfits fazem-nos viajar até aos anos 70.
Desde o diretor, ao chefe de redação, até aos jornalistas e tipógrafos, todos viveram as emoções e a incerteza do que se passava de forma distinta. No primeiro ato assistimos ao funcionamento normal do jornal, com discussões, conversas e reflexões sobre política, censura e jornalismo (os desafios da profissão são uma das grandes questões levantadas por Saramago nesta obra), onde se destacam os conflitos da rotina de trabalho vividos por redatores e chefias com ideias contrárias.
No segundo ato, começam a ouvir-se boatos sobre uma revolução que está a ganhar forma nas ruas de Lisboa. As personagens tomam posições opostas quanto à forma como o jornal deverá ser editado, explodem tensões, temperamentos exaltam, caem as máscaras e todos tomam partido no lado em que querem estar.
José Saramago, também ele jornalista, consegue, através dos diálogos das personagens, trazer ao público a realidade que se vivia na época, onde a censura e o medo estavam constantemente presentes, mas onde a esperança de alguns jornalistas para ver nascer novos tempos também ganha força.
A peça, que estreou na passada terça-feira, dia 15, véspera da data de aniversário de Saramago (16 de novembro de 1922), vem marcar as celebrações do centenário do escritor, único português a ser distinguido com o Prémio Nobel da Literatura. Com direção de Celso Cleto, o espetáculo tem no elenco nomes como Augusto Portela, Diana Marquês Guerra, Diogo Lopes, Duarte Grilo, Frederico Amaral, Helena Veloso, João de Carvalho, Nuno Janeiro, Olga Sotto e Victor Espadinha.
Produzida pelo Teatro Dramax, a peça estará em cena até 18 de dezembro, no Auditório Eunice Muñoz, na Rua Mestre de Aviz, no centro histórico de Oeiras. As sessões decorrem de quarta-feira a sábado às 21h30 e também às 16 horas aos sábados e domingos. O preço do bilhete é de 12,50€ e pode comprá-lo online. As reservas são feitas através do número 935 099 040.
Carregue na galeria para ver algumas fotografias dos ensaios da peça “A Noite”.