São quase três dezenas de mulheres, jovens escritoras, unidas pela paixão à literatura. Todas têm livros publicados, todas conseguiram fazer chegar às editoras, às livrarias e ao público as histórias que passaram da imaginação para o papel. Mas todas sentem que o mercado literário precisa de uma mudança. Não ficaram à espera que ela chegasse, estão elas próprias a criá-la.
A ideia de se unirem num projeto comum surgiu naturalmente, como conta à NiO, Helena Magalhães, escritora, ativista literária e fundadora do Book Gang, livraria online e clube do livro, com um serviço de subscrição mensal que lhe faz chegar uma box de livros a casa. “Muitas de nós já se conheciam, foram-se criando relações entre as autoras. Um dia a Filipa Fonseca Silva sugeriu um encontro, uma coisa muito informal, para que várias se pudessem conhecer pessoalmente. E foi neste encontro, entre longas conversas, que surgiu a ideia de: ‘Bora lá criar qualquer coisa juntas’. Não foi algo pré-estabelecido, começámos a discutir ideias e a pensar de que forma poderíamos ajudar-nos”, conta.
Assim surgiu o Clube das Mulheres Escritoras, apresentado no início do mês de maio, numa newsletter que terá periodicidade quinzenal. O objetivo é simples: criar uma rede de apoio e entreajuda entre si, para que consigam chegar mais longe. Uniram-se com a certeza de que juntas são mais fortes e de que unidas as suas vozes ecoam mais alto.
“Acredito mesmo naquela ideia de que se queremos ir rápido, vamos sozinhos, se queremos ir longe, vamos acompanhados, e é isso que está na génese deste grupo”, refere Helena. Um grupo que reúne 28 escritoras dos mais variados géneros e com diferentes percursos, já que muitas têm outras profissões paralelamente à escrita.
Do clube fazem parte Carla M. Soares, Catarina Costa, Célia Correia Loureiro, Cláudia Araújo Teixeira, Cláudia Lucas Chéu, Dulce Garcia, Elisabete Martins de Oliveira, Filipa Fonseca Silva, Filipa Martins, Gabriela Relvas, Helena Magalhães, Íris Bravo, Joana Bértholo, Joana Kabuki, Lénia Rufino, Mafalda Santos, Maria Francisca Gama, Maria Isaac, M.G.Ferrey, Patrícia Madeira, Patrícia Reis, Rita Cruz, Rita da Nova, Sara Rodi, Susana Amaro Velho, Susana Piedade, Tânia Ganho e Valentina Silva Ferreira.
“Pretendemos celebrar a enorme diversidade e riqueza que existe na literatura portuguesa escrita por mulheres, para muitos desconhecida”, propõe o clube. Assim, assumem o compromisso de se ajudarem nas questões práticas e dúvidas existenciais, naturais no processo de escrita, levar as suas vozes a cada vez mais leitores, lutar por mais visibilidade nos meios de comunicação e literários e, claro, celebrar e divulgar as conquistas de cada uma.
Nesse sentido, o clube irá partilhar a agenda de eventos literários em que cada uma irá participar, para que os leitores saibam onde e quando podem encontrá-las. Por lá vai ter também acesso a links para entrevistas que tenham dado, podcasts e programas onde tenham participado “e o que mais considerarmos importante para quem nos lê”. Além disso, poderá ficar a par também dos lançamentos do mês.
“O que às vezes é muito óbvio para uma pessoa, pode não ser para outra, então vamos tentar ajudar nas dificuldades que cada uma sente, com conselhos, dicas, etc. É mesmo uma irmandade”, afirma Helena. Este projeto vem, assim, contrariar em grande escala, o mito de que as mulheres são competitivas umas com as outras. Neste clube, só há espaço para a partilha, o apoio e a sororidade.
“Não somos concorrentes entre nós, queremos desconstruir essa ideia de competição feminina. Queremos usar a nossa voz, enquanto mulheres, para tentar mudar a forma como o mercado está estabelecido, em que os homens têm muito mais espaço nas livrarias, na divulgação e são muito mais nomeados para prémios”, sublinha Helena.

“O papel das mulheres na literatura” em Oeiras
É já este sábado, 13 de maio, que Dulce Garcia, Filipa Fonseca Silva, Helena Magalhães e Maria Isaac se vão juntar na Biblioteca Municipal de Oeiras (situada no número 17 da Av. Dr. Francisco de Sá Carneiro), às 15h30, para falar sobre “O papel das mulheres na literatura”.
“Esta conversa aconteceu, num primeiro momento, na Feira do Livro de Lisboa, o ano passado. Achámos interessante voltar ao tema, porque é um assunto inesgotável. Há uma mudança nas vozes das mulheres na literatura, mas nem toda a gente está desperta para isso. Sinto que está a mudar, mas aos poucos. Há, de facto, um desequilíbrio na balança de oportunidades entre mulheres e homens na literatura e temos que falar sobre isto. É um diálogo a longo prazo”, garante Helena à New in Oeiras.
O Clube das Mulheres Escritoras quer também desconstruir o conceito de literatura feminina, porque “a literatura é só uma e não tem género”. Mas terão um longo caminho pela frente, já que “os livros escritos por mulheres continuam a ser vistos como de menor qualidade”, afirma Helena. É nesta ótica que os quatro membros do grupo se juntam, este sábado, para um debate, junto do público presente.
“É difícil ser uma jovem escritora em Portugal. Somos vistas como menos importantes, quando comparadas a escritores homens. Os prémios literários continuam a ser entregues, na maioria, a homens. E eu assumi esta luta no meu trabalho, de dar a conhecer novas autoras, porque acredito que não basta ter talento, tem que se ter sorte e portas abertas para conseguir entrar neste meio”, reforça Helena Magalhães.
Uma das ferramentas que tem ajudado a mudar esta realidade são as redes sociais, como o Instagram, o TikTok e o YouTube, com páginas e canais de conteúdo literário que estão até a levar uma camada mais jovem da população a ler mais e a apostar em jovens escritoras que se tornam fenómenos nestas plataformas.
A relação próxima que estas criam com os leitores nas redes sociais é também importante como fator de mudança. “Hoje em dia, não tem sentido uma mulher escritora ter que se vestir como nos anos 50, essa imagem ficou parada no tempo. As mulheres escritoras têm uma vida normal, podem pôr fotografias de biquíni na praia se assim o entenderem, e a sua escrita não tem menos qualidade por isso”, reforça Helena. “É necessária essa presença desconstruída e moderna das escritoras nas redes para mudar mentalidades”, conclui.