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Do trauma do divórcio à força do ADN. Três gerações de mulheres Jolie

Marcheline, Angelina e Shiloh parecem fotocópias. Mas há muito mais semelhanças na vida de cada uma.
Há traços comuns.

Marcheline Bertrand tinha apenas 21 anos quando disse sim ao pedido de casamento de Jon Voight, um ator bem conhecido no círculo de Hollywood. Porém, os anos que se seguiram foram tudo menos pacíficos. Depois de uma gravidez falhada, o casal teve dois filhos, James e Angelina. Mas ainda a filha mais nova não tinha celebrado o primeiro aniversário e já Voight saía de casa, acusado publicamente por Bertrand de ter casos extraconjugais. A separação consumou-se em 1976, com o divórcio a prolongar-se até 1980.

Quarenta anos depois, a história parece repetir-se, desta vez com a própria Angelina Jolie, que passou, na última década, por um tumultuoso divórcio com outra estrela de Hollywood, Brad Pitt. Um conjunto de coincidências que traçam uma linha forte entre o visivelmente poderoso ADN da família — não são raras as comparações quanto à beleza de Marcheline, Angelina e Shiloh (filha biológica mais velha de Angelina), três mulheres de gerações diferentes, que surgem mais parecidas do que nunca.

A relação entre Angelina e o pai, Jon Voight, nunca recuperou do trauma do abandono, ainda que se continuassem a ver. Segundo a própria, era uma relação feita mais à frente das câmaras do que propriamente uma ligação íntima entre pai e filha. A verdade, é que Angelina teve as suas primeiras experiências no cinema graças à influência do pai, com a estreia a acontecer ainda sob o nome Voight.

Tinha apenas sete anos e surgiu no filme “Lookin’ to Get Out” de Hal Ashby, onde partilhou o set com o pai e a mãe, num pequeno papel como figurante. Apesar dessa colaboração inicial, a relação com o pai era complexa. “Não me sentia muito próxima do meu pai. Sentia-me mais filha da minha mãe quando era criança”, revelou Angelina, em 2017.

Hoje é conhecida pelo apelido Jolie, uma mudança de nome que refletiu o desejo de se distanciar do pai, mas também a intenção de criar uma identidade própria no competitivo mundo de Hollywood. “Foi uma das razões para mudar o nome. A outra foi que eu queria ter a minha própria identidade e não queria entrar numa sala como a filha do Jon. Queria ver se conseguia trabalho por mim própria e não ser contratada por um nome.”

Ser atriz não era apenas uma herança familiar. Na verdade, tudo começou como uma forma de ajudar financeiramente a mãe. “Acho que acabamos sempre por querer descobrir quem somos. E acho que há muito em mim que não tem a ver com isto de ser atriz. Sinto que sou muito feliz, muito sortuda. Percebi o quanto isso era importante para a minha mãe quando ela morreu, porque passei a sentir-me muito diferente em relação à profissão assim que ela partiu”, contou.

Marcheline e Angelina.

“Quando comecei a atuar, era só um trabalho. Queria ajudar a minha mãe com as contas. Era um trabalho criativo. Algo que permite explorar diferentes épocas da história, diferentes pessoas, diferentes lados de ti própria, aprender diferentes habilidades, é um trabalho maravilhoso de se ter à medida que cresces. És jovem e ainda não sabes exatamente quem és, mas mesmo assim, colocam-te um microfone à frente e pedem a tua opinião aos 17, 18 anos, quando ainda não formaste essas opiniões e não deverias formá-las por completo.”

Embora Jolie tenha tido desavenças com o pai na juventude — frequentemente atribuídas à infidelidade dele durante o casamento —, após a mudança da família de Nova Iorque para Los Angeles, quando tinha 11 anos, começou a ver Jon com mais frequência.

Com o apelido Voight de lado e o nome Jolie oficializado em 2002, surge um novo choque entre pai e filha. Uma zanga criada pelas declarações públicas de Jon Voight na sequência do divórcio de Angelina com Billy Bob Thornton. Numa entrevista, o ator revelou estar de “coração partido”. “Tenho tentado falar com a minha filha, tentar ajudá-la, tenho falhado nessa tarefa e sinto muito”, comentou, antes de assumir que a fonte dos problemas teria sido o divórcio com a sua mãe. Os comentários tornaram-se mais azedos, muito rapidamente.

“Nunca senti que o casamento deles iria funcionar porque têm ambos problemas sérios — e sempre se mostraram muito publicamente abertos a partilhá-los. Nunca tive grande esperança”, disse sobre a relação da filha com Thornton. Jolie, por sua vez, não ficou calada. “Não quero tornar públicas as razões do mau relacionamento que tenho com o meu pai. Ao fim de todos estes anos, percebi que não é saudável para mim estar com ele, sobretudo agora que sou responsável pela minha própria filha.”

Acabaria por ser precisamente graças aos filhos de Angelina que a relação viria a melhorar nos anos seguintes. Mas antes, enfrentaria a morte precoce da mãe, vítima de cancro da mama e do ovário, numa luta que durou cerca de oito anos. Marcheline Bertrand morreu em 2007, aos 56 anos.

“Perdi a minha mãe quando estava na casa dos trinta. Ao olhar para trás, para esse período, percebo o quanto a sua morte me transformou”, escreveu Jolie num artigo publicado no “The New York Times”. “Não foi repentino, mas algo mudou profundamente em mim. Perder o amor e o abraço quente e suave de uma mãe é como se nos arrancassem um cobertor protetor.”

Abordou também o duro golpe que foi para a sua vida familiar, a infidelidade do pai. “Quando o meu pai teve um caso, mudou a minha vida. Incendiou o sonho de ter uma vida familiar harmoniosa”, conta. “Mas a minha mãe continuou a adorar ser mãe. Os sonhos dela, de ser atriz, desvaneceram-se quando se viu, aos 26 anos, a criar dois filhos com um ex-famoso que viria a lançar uma longa sombra sobre a sua vida. Após a sua morte, encontrei um vídeo dela numa curta-metragem. Ela era boa”.

Com seis filhos (três biológicos e três adotados), foi graças a essa larga família que Angelina conseguiu, mais tarde, reconciliar-se com o pai. “Foi através deles que conseguimos criar uma nova relação. É muito, muito bom. Passámos por um mau bocado. Conseguimos comunicar através da arte, é uma linguagem que temos em comum. Já não posso dizer o mesmo no que toca à política”, confessou.”

O cancro que vitimou a mãe também lhe moldou a vida. Em 2015, testes genéticos indicaram a pré-disposição para sofrer de cancro nos ovários. Como prevenção, Jolie decidiu removê-los. O resultado genético levou a outra decisão, neste caso, a de avançar para uma mastectomia dupla em 2013. Por essa altura, Jolie era casada com Brad Pitt — um dos power couples mais reconhecidos em Hollywood.

Shiloh é a terceira filha de Jolie e de Pitt, a primeira biológica depois de ter adotado Maddox em 2002 e Zahara em 2005. A jovem, hoje com 17 anos, nasceu em 2006. Dez anos depois, em 2016, rebentou o escândalo. Jolie pedia o divórcio, alegando um confronto físico com Pitt numa viagem de avião. Subentendido ficou o comportamento violento do ator, perante si própria e perante os seis filhos.

Pitt foi ilibado das acusações de violência doméstica, apesar de ter admitido problemas com álcool. O próprio afirmou ter explodido várias vezes com os filhos, mas sem nunca ter partido para agressões físicas. “Não sou o tipo de pessoa que toma decisões de ânimo leve”, disse Angelina sobre a decisão de avançar para o divórcio. “Custou-me muito colocar-me numa posição onde senti que tinha que me separar do pai dos meus filhos.”

Segundo a “People”, Angelina e a filha, Shiloh, terão mesmo recorrido a apoio psicológico para ultrapassar o trauma da separação. “Tínhamos muito para resolver. Ainda estamos a encontrar o nosso equilíbrio”, disse à “Vogue”, referindo-se implicitamente a si própria e aos filhos.

“Após um evento que me magoou, um terapeuta perguntou-me se experimentaria uma peça de roupa feita num tecido fluido. Parecia uma coisa tola, mas o facto de usar calças e botas ajudava-me a projetar uma aparência mais forte, como se eu própria fosse mais forte. Mas será que era suficientemente forte para ser suave? À época, não. Sentia-me vulnerável. Por vezes, sinto que talvez ainda não saiba qual é o meu estilo. Aos 48, continuo a tentar percebê-lo. Continuo em transição.”

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