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Do pai agressor à terapia abusiva: a vida triste e incerta de Brian Wilson

Cresceu surdo do ouvido direito, mas tornou-se um génio da indústria. Morreu esta quarta-feira, aos 82 anos.

“Queria escrever música alegre e que fizesse as pessoas se sentirem bem.” Foi desta forma que Brian Wilson, um dos maiores músicos das últimas décadas, que morreu aos 82 anos esta quarta-feira, 11 de junho, descreveu as suas ambições, na cerimónia de admissão dos The Beach Boys ao Rock & Roll Hall of Fame, em 1988.

Apesar deste espírito feel-good da banda, o cantor, compositor, produtor e fundador da banda britânica sempre falou abertamente sobre a sua luta contra várias doenças mentais, incluindo a sua experiência com perturbação esquizoafetiva, uma doença caracterizada por alucinações e delírios. Em 2024, também foi diagnosticado com demência. 

O percurso conturbado de Wilson começou na infância. Desde cedo que Brian ficou quase totalmente surdo do ouvido direito. Ao longo dos anos, tentou dar várias explicações para esta condição, tendo mencionado uma agressão de um rapaz da vizinhança. Noutras vezes, em alguns relatos, falava sobre o pai abusivo.

No seu livro ”I Am Brian Wilson”, publicado em 2016, afirmou que Murry Wilson era “violento e cruel”. “Chegava a chamar-me de maricas e batia-nos repetidamente”, afirmou, citando alguns castigos extremos aos quais era submetido. Um deles obrigava-o a “defecar num prato.”

Porém, foi na memoir “Wouldn’t It Be Nice: My Own Story”, de 1991, que Wilson aprofundou o episódio que associa à surdez parcial, durante um momento de humilhação em público durante a qual foi atingido com um pedaço de madeira, cita o “LA Times”. 

“Havia muita raiva”, contou à mesma publicação sobre o pai, que morreu em 1973. “Posso compreender intelectualmente [o motivo das agressões], mas os meus sentimentos não aceitam. O pai dele estava sempre a bater-lhe e ele atacou-me, agrediu-me com essa enorme agressividade.”

A história de Wilson é muitas vezes descrita como uma luta para escapar ao jugo de dois homens: do pai e de um psicoterapeuta controlador, Eugene Landy. O médico recorreu aos métodos pouco ortodoxos — como vigiar o músico durante 24 horas, molhá-lo com água fria pela manhã e trancar o frigorífico com um cadeado — para ajudar o músico durante dois períodos de tratamento, nas décadas de 70 e 80.

A primeira vez aconteceu num período em que Wilson sofria de obesidade, estava dependente de drogas e não saía de casa, pois acreditava que “o sangue ia começar a jorrar pela torneira e cobras iam sair do chuveiro”, conta o jornal “Washington Post.” Após uma dieta rígida, voltou a tocar com os The Beach Boys num concerto a 31 de dezembro de 1976, no LA Forum, em Los Angeles.

Landy ainda chegou a assumir créditos na composição de algumas canções de Wilson, mas a relação terminaria quando o terapeuta foi investigado pelas autoridades da Califórnia, nos Estados Unidos, e acabou por renunciar à licença. A intervenção da família, nos anos 80, deu origem ainda a uma ordem judicial que o impediu de entrar em contacto com o cantor.

As disputas com o pai também se prolongaram durante vários anos. Em 1962, Murry criou a editora Sea of Tunes para proteger as composições do filho, mas tornou-se ele próprio o único administrador. Segundo alguns relatos, terá pressionado Brian para ter 100 por cento dos direitos de autor, mas não existem contratos formais.

Em 1969, o pai decidiu vender todas as composições à Irving Almo Music por cerca de 608 mil euros, uma decisão que o fundador dos The Beach Boys considerou devastadora. “Foi como vender os meus filhos,” recordou Wilson mais tarde. 

A história só terminou duas décadas mais tarde, em 1989, já após a morte do progenitor, quando Brian Wilson processou a editora, alegando que tinha havido falsificações na aquisição dos direitos, uma ação judicial que culminou com um acordo em 1994.

Um dos maiores apoios na sua vida foi a companheira, a antiga modelo e vendedora de carros de luxo Melinda Ledbetter, que morreu em janeiro de 2024 . Juntos, adotaram cinco filhos com quem viveram na Califórnia, onde Wilson se manteve até à data da sua morte.

Porém, também tem filhas de relacionamentos anteriores, incluindo Carnie Wilson e Wendy Wilson, que fazem parte do grupo Wilson Phillips.

Apesar da carreira instável, Wilson é considerado um dos mais criativos e visionários artistas no mundo da produção das últimas décadas. Em 2015, parte da sua história foi contada na biopic “A Força de Um Génio“, realizada por Bill Pohlad.

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