Tudo começou quando Silvia Perloiro decidiu arranjar um cantinho fora de casa para montar o seu atelier de trabalho. A artista plástica, formada em Arquitetura, apaixonou-se por um pequeno espaço comercial, em Caxias (antes era uma oficina de sapateiro), que mantinha as características arquitetónicas e de construção originais, desde o piso, às portas e à montra. Na sala interior montou o seu atelier e, a exterior, aberta para a rua, usava para guardar caixas e móveis de arrumações. Estávamos em março de 2020 e uns dias depois de se mudar, explodiu a pandemia e começou o primeiro confinamento.
Num momento de incertezas e afastamento social, Silvia começou a deixar livros de poesia abertos no balcão da montra. E percebeu que aquele pequeno gesto fazia diferença no dia de quem por ali passava. “As pessoas deixavam-me papelinhos por baixo da porta a agradecer, a dizer que tinha melhorado o dia delas, a pedir para continuar. Via também as marcas de mãos e caras nos vidros, pessoas que com curiosidade espreitavam cá para dentro para ver o que tinha. E percebi que talvez devesse dar mais vida a este espaço, então comecei a convidar artistas amigos a deixar coisas na montra”, conta à New in Oeiras.
Sem pretensão de ser galerista, como a própria afirma, quis transformar o espaço numa galeria, mantendo as suas características de origem. “A minha formação é em Arquitetura, e fiquei encantada com este edifício, pois é de uma época muito marcante, faz parte do modernismo, mas quase barroco, com muitos detalhes. A montra tem uma inclinação lindíssima e temos os pilares na entrada, que inspiraram o nome. Não vem de galeria enquanto espaço expositivo, mas sim da estética do próprio prédio, que tem na parte da frente um espaço coberto com uma colunata, que em arquitetura se chama galeria”, explica Silvia.
A loja, onde antes funcionava um sapateiro, ficou exatamente igual ao que sempre foi, como o chão original e as portas de madeira, por exemplo. Esta é uma escolha da própria Silvia. “Os espaços têm camadas de história, e quis manter estas propostas por isso mesmo, conservar a memória que ele tem. Temos espaços tão bonitos nas nossas cidades que estão desaproveitados, ou que não são respeitados e nós, enquanto agentes culturais, podemos dignificá-los. São espaços que hoje podem ter outro uso, outra vida, mas peço sempre aos artistas que aqui expõem, que o respeitem, para não desvirtuá-lo “, afirma a responsável da galeria.
E assim tem sido, nas já 16 exposições que aqui decorreram ao longo dos últimos dois anos. A arte contemporânea ganha vida neste espaço mais clássico, criando um casamento perfeito entre o moderno e o tradicional. A verdade é que esta galeria que começou pela montra e se espalhou por todo o (pequeno) espaço conquistou os moradores da zona e não só.
“Nas inaugurações das mostras, a rua transforma-se. Há animação, cria-se um espaço de convívio. Tinha medo do barulho por causa dos vizinhos, fui falar com eles e, para minha surpresa, agradeceram imenso, dizem que finalmente a rua voltou a ter vida”, conta Silvia.
Para a artista plástica é importante viver as cidades e os seus espaços culturais em pleno. “Acho importante haver estes encontros na rua, nós temos um clima fantástico, esta zona é lindíssima, temos o jardim de Caxias aqui ao lado, e a praia muito perto. Faz falta este tipo de espaços”, refere.
A exposição coletiva “ba.zar”
No dia 5 de novembro, foi inaugurada na Galeria na Montra, uma mostra coletiva com 12 artistas contemporâneos, todos com uma linguagem muito conceptual. A curadoria esteve a cargo da própria Silvia Perloiro e de Ana Morgadinho, ambas com peças presentes na exposição. Anabela Mota, António Cassiano, Catarina Pinto Leite, Engrácia Cardoso, Maria Appleton, Maria João Brito, Rogério Cruz d’Oliveira, Teresa Carepo, Victor Gonçalves e Xana Sousa são os restantes nomes que compõem o certame.
Mas como ter obras de 12 artistas num espaço de 12 metros quadrados? Silvia explica: “Não foi nada fácil. A galeria é um espaço pequeno e conseguir incluir peças de 12 artistas, respeitando a linguagem de cada um, dando espaço para que possam transmitir a vibração das suas obras, foi um desafio muito grande e um trabalho árduo”. A solução foi expor apenas trabalhos mais pequenos. “Os artistas aderiram muito bem, trouxeram obras de menores dimensões, mesmo aqueles que costumam trabalhar em telas grandes, por exemplo. São artistas diferentes que enriquecem muito este espaço”, conclui.
O nome “ba.zar” foi escolhido a dedo. “Com uma comunidade tão grande de artistas a expor e, esperemos, de público a vir visitar, achámos que faria sentido este nome, já que vem dos mercados orientais, os bazares, que eram espaços de muita troca”, conta à NiO, a artista plástica.
Pode visitar a exposição até 21 de janeiro de 2023. A Galeria na Montra, situada no número 6 da Av. Cons. Ferreira Lobo, em Caxias, está aberta ao público entre as 14 e as 20 horas de terça a sexta-feira. Pode segui-la através das páginas de Instagram e Facebook para ficar a par das novidades e novas exposições.
Carregue na galeria para conhecer o espaço e algumas das peças que encontra nesta mostra.