A 9 de agosto de 1996, uma equipa de produção trabalhava já na criação de “Titanic”, filme que ficaria para a história como um dos mais bem-sucedidos de sempre. Era o projeto de uma vida para James Cameron, realizador que apostou todas as suas fichas na produção que retratava o naufrágio histórico.
Também pela importância que dava ao projeto, é que Jake Clarke, técnico da produção, estranhou quando nessa noite de verão viu o realizador a correr esbaforido pelos corredores. Atrás de si corria também um dos figurantes. “Há algo dentro de mim, tirem-no”, gritava Cameron.
Depois do jantar, vários membros da produção começaram a sentir-se mal. O realizador, que estava a sofrer diversos sintomas, suspeitava que se poderia tratar de uma toxina presente no marisco da sopa que tinha sido servida nessa noite. Não estava completamente errado: a verdade é que uma investigação ao incidente viria a concluir que algo teria sido mesmo colocado na sopa.
Não se tratava de uma toxina, mas de PCP, uma droga alucinogénica que alguém acrescentou na preparação do jantar. Quase todos os membros da equipa de produção ingeriram a sopa (e as drogas), numa altura em que os protagonistas, Leonardo DiCaprio e Kate Winslet não estavam ainda em set, já que se filmava por esses dias a parte da história que decorria na época presente.
Era o culminar de uma maratona de cinco semanas de gravações que chegavam ao fim. E como tudo decorria de madrugada, este jantar era, na verdade, o almoço da equipa — a última refeição que fariam antes de a produção se mudar para o México, onde foi gravado grande parte do filme.
A refeição deveria ser uma enorme festa. O catering, recorda a “Vice”, trouxe uma luxuosa sopa de marisco. Os diretores, o realizador, todos se juntaram no set para partilharem o momento. A comida estava saborosa, muitos repetiram o prato duas, três vezes. Ninguém esperava o que viria a acontecer.
Marilyn McAvoy, pintora que trabalhou no set de “Titanic”, recorda à “Vice” que a sopa estava tão boa que “a maioria das pessoas comeu muito mais do que era habitual”. “Não havia qualquer sinal de que algo estava errado, pelo menos até à refeição. Quando voltámos, ao fim de meia hora, reparei que alguma coisa não estava bem. Toda a gente parecia confusa.”
“Estávamos num quarto dedicado ao pessoal técnico e um dos tipos começou a falar de forma hiperativa. Era um tipo grande, com mais de 1,90 metros de altura, e diz: ‘Vocês sentem-se bem? Eu não. Sinto que estou sob o efeito de alguma coisa e acreditem em mim, eu conheço bem essa sensação”, recordou Clarke — que tinha alergia a marisco e, portanto, escapou à intoxicação — à revista “Vulture”, que revisitou o caos dessa noite, 25 anos depois.
Cameron, que também foi afetado, recordou o episódio em 2009, uma entrevista à “Vanity Fair”. O realizador afastou-se do set para vomitar e quando voltou, não encontrou ninguém. “Estava de pé, ao lado dos monitores e da câmara, e a sala estava vazia. Parecia a ‘Twilight Zone’.”
À medida que o jantar ia ficando para trás, a produção começava a dividir-se em dois tipos de pessoas: os intoxicados e os normais, isto é, os que não tinham tocado na sopa de marisco. No lote de atores já presentes estava Bill Paxton — que morreu em 2017 — que acabou por também ingerir as drogas.
“Havia pessoas a rir, outras a chorar, algumas a vomitar”, recordou Paxton numa entrevista à “Entertainment Weekly”. Num minuto estava bem, no outro estava tão ansioso que só me apetecia respirar para dentro de um saco de papel. O [James] Cameron estava igual.”
Quem assistiu à reação de Paxton e Cameron, sem estar sob o efeito do PCP, foi Claude Roussell, membro do departamento de arte que também não tocou na sopa. “Os olhos deles estavam vermelhos, cor de beterraba, era inacreditável. O Jim [Cameron] tinha bebido uma garrafa de whisky e o Bill Paxton andava com um saco de charros porque adorava erva”, recorda. “Eu ria-me porque não tinha comido a sopa e, quando dou por mim, estou no atrelado a fumar um charro.”
Quando se tornou perfeitamente claro que algo de muito errado tinha acontecido, foram chamadas ambulâncias e todos os que não estavam em si foram levados para o hospital. “Fomos todos levados em massa para o hospital à uma da manhã. Eles não sabiam o que fazer connosco. Tornou-se um bocado caótico porque algumas pessoas estavam a passar mal, acho que quem já tinha tido alguma experiência com drogas estava a ter flashbacks e bad trips”, nota McAvoy.
Acabariam por passar toda a noite no hospital, onde foram colocados em pequenos cubículos individuais nos quartos. “Ninguém queria ficar lá. Estava tudo nos corredores, a saltar para os cubículos uns dos outros”, recorda. “Estava tudo cheio de energia, alguns voavam de cadeiras de rodas pelos corredores, estava tudo pedrado.”
Roussell, que acompanhou os colegas ao hospital, recorda o cenário. “O Bill Paxton era um fofo. Estava sentado ao meu lado no corredor do hospital e estava a curtir a pedra. Entretanto, o resto do pessoal da produção andava pelos corredores a fazer cavalinhos nas cadeiras de rodas.”
Cameron pintou um cenário ainda mais bizarro. “Havia pessoas a gemer e a chorar, colapsadas em cima de mesas e de macas. O Caleb Deschanel, diretor de fotografia, comandava um grupo de pessoas pelo corredor, a dançarem a conga, todos alinhados, e a cantarem bem alto. Isto não se inventa.”
No hospital, tomaram uma bebida para expulsar as toxinas e, no dia seguinte, as equipas estavam de volta ao trabalho. “Entre nós, corriam rumores de que podia ter sido um chef insatisfeito, que teria sido despedido, mas nunca se chegou a nenhuma conclusão”, conta McAvoy.
A polícia local ainda investigou o incidente, mas nunca foi encontrado o culpado que terá adicionado as drogas à sopa.