Se tudo tivesse corrido como sonhava, Nélson Ramos ainda hoje estaria de chuteiras, a correr com a bola nos pés pelos relvados. Mas em 2018, quando tinha 35 anos, decidiu deixar de vez o futebol para cuidar dos dois filhos.
Foram tempos difíceis. “Só eu sei o que passei”, confessa o antigo jogador do Benfica, autor do golaço em Old Trafford que ainda hoje permanece na memória dos benfiquistas. Hoje, cinco anos após a reforma, está revigorado, com uma nova energia criativa e com um projeto no bolso: uma marca de personalização de vestuário, sobretudo sapatilhas.
Chama-se Osky 22. O número, claro, é uma referência óbvia à camisola que quase sempre envergou nos clubes por onde passou, mas para decifrar a palavra Osky, é preciso viajar até à infância do ex-futebolista de 39 anos.
“Foi uma alcunha que me puseram em Cabo Verde. Eu era benfiquista e na altura, o [Karel] Poborsky jogava lá. Quando era pequeno, chamavam-me Necha, depois associaram ao Poborsky e ficou Nechosky”, recorda. A alcunha ficou e deu-a também ao seu cão, antes de perceber que poderia ser um bom nome para o seu novo negócio.
Em 2018, Nélson enfrentou a separação da então companheira, com quem tinha dois filhos. “Deixei o futebol pelos meus filhos. Quando me separei, o mais pequeno só tinha dois anos, o mais velho cinco”, confessa, enquanto recorda a “experiência negativa” que viveu com a sua outra filha, já com 22 anos. “Deixei-a em Cabo Verde e só eu sei o que passei na altura. Não quis deixar os meus filhos sozinhos.”
A reforma foi “repentina”. “Gostava de ter continuado a jogar porque a minha vida foi sempre o futebol. Sempre pensei que só pararia de jogar aos 40, 42 anos, porque fisicamente estava muito bem. Nunca pensei que o deixasse da forma como deixei.”
Isso refletiu-se no seu dia a dia. O desporto e a profissão que o absorvia completamente desapareceu sem deixar rasto e deixo atrás de si uma montanha de horas vazias por preencher. “Nos primeiros dois anos andei desorientado. Não sabia o que fazer.”
Ficou a viver em Sevilha, cidade onde nasceram as duas crianças e onde chegou a jogar pelo Bétis. É de lá que vai preparando o nascimento oficial da Osky 22 como um negócio. Faltam apenas acertar uns pormenores e o arranque deve acontecer “até ao final de março”.
Entretanto, as redes sociais da marca já se agitam há algum tempo. Sucedem-se as fotografias de peças personalizadas, coloridas, originais, sobretudo de sapatilhas, a grande paixão de Nélson. Em casa tem uma coleção com mais de cem pares. E apesar de ainda não estar oficialmente a vender, a sua criatividade convenceu muitos amigos a deixarem nas suas mãos os seus pares de sapatilhas favoritos.
“Já fiz personalizações para antigos colegas, Carlos Martins, Gelson. Fiz também para o Bernardo Sousa, o piloto, para o Nélson Freitas, para figuras públicas de Portugal, Espanha e Cabo Verde”, conta.
A paixão pelos trabalhos manuais e pela personalização de roupa e calçado começou ainda quando jogava futebol. Mas foi preciso um momento de choque para perceber que isso poderia ser algo mais do que um mero hobby.
Pouco tempo depois de se acabrunhar em casa, entre as horas vagas e as saudades do futebol, chegou a pandemia, que o fechou em casa com os filhos. “Dedicava todo o meu tempo a cuidar deles e um dia, estava com o mais novo, o Nélson, e como ele também gosta de pintar, peguei em dois pares de sapatilhas, um para cada, e pintamo-los, numa de brincadeira”, conta.
“Quando terminámos, coloquei o vídeo no Instagram e os meus seguidores elogiaram. Comecei a ganhar-lhe o gosto e, como tinha muito tempo livre, comecei a ocupá-lo a pintar, sapatilhas, quadros… Tudo que me apetecia.”
O processo, mais do que estrategicamente pensado, é fruto da inspiração do momento. “É um trabalho de imaginação, tens que ser muito criativo, dedicar muito tempo a imaginar. Uso tintas, telas, tecidos. Depende do momento. É cansativo, mas quando se gosta do que se faz…”, explica. A personalização de um par de sapatilhas pode demorar quatro dias a fazer e, mesmo quando o método é replicado, nunca dá origem a mais do que cinco a dez pares semelhantes — são, portanto, edições limitadíssimas.
Além das sapatilhas, que são o coração da Osky 22, Nélson gosta também de personalizar casacos, fatos de treino, camisolas. Enfim, tudo o que se possa vestir.