Conceição Perrgil nasceu na ilha da Madeira, em 1960, mas mudou-se para o continente quando ainda era miúda. Veio morar para Porto Salvo com os pais e, vários anos depois, ainda se mantém no concelho de Oeiras.
Já trabalhou como jardineira na Câmara Municipal de Oeiras. Num certo dia, em 2005, um acidente de trabalho trocou-lhe as voltas. “Estavámos a cortar árvores, quando a dada altura sem que eu reparasse me caiu uma árvore em cima. Ela bateu-me no ombro e braço direito e fiquei com lesões para a vida”, conta.
De forma a minimizar a lesão, Conceição decidiu trabalhar menos tempo porque não conseguia fazer muitas horas. Porém, o destino voltou a pregar-lhe uma partida. Um diagnóstico de cancro da mama obrigou-a a parar de imediato. “Fiquei doente, não tinha como trabalhar. Felizmente, consegui dar a volta por cima, superei o problema. Mas quando voltei, já não havia trabalho para mim”, diz.
Assim, acabou por se reformar por invalidez. “Fiquei sem chão, deram-me uma reforma de 256,33€. Não sabia o que fazer”, confessa. Desesperada e sem apoios, São, como é tratada entre os amigos, pediu ajuda à Câmara e à Segurança Social, mas sem grande sucesso.
Foi então que decidiu arregaçar as mangas e ir à luta, sempre com a premissa de ajudar os outros. “Não gostei da forma como me trataram, foi um sentimento horrível. Percebi que queria ajudar quem também nada tinha”, diz.
“Fui ter com o meu filho e pedi-lhe 100€. Ele deu-me e dirigi-me a um armazém no Porto Alto com produtos a 1€. Comprei tudo e num espaço que aluguei em Oeiras comecei por vendê-los. Sempre que acabava o stock, voltava lá outra vez”, recorda.
O negócio evoluiu e Conceição começou a receber pedidos de pessoas que queriam deixar lá os seus produtos para vender. Entre doações e local de revenda, a oeirense começou a ser conhecida na zona e a loja a obter cada vez mais produtos. “Foram surgindo pessoas de todo o lado a entregar artigos para eu vender, desde frigoríficos, móveis, máquinas de lavar, calçado, roupa, tudo”, afirma.
A loja em que se encontrava começou por não ser suficiente. Quando estava à procura de um espaço maior, Conceição decidiu pegar no carro e percorrer as ruas do concelho com o objetivo de encontrar algum cantinho que lhe servisse. “Peguei no carro, fui passeando até que passei por esta área [zona do Alto da Loba] e encontrei uma garagem muito grande onde podia apenas guardar o material”, diz.
Sem forma de conseguir ter dinheiro para alugar um armazém onde deixar alguns produtos e uma loja para expor os restantes, Conceição juntou-se a Isaltino Morais, em 2016, para recolher assinaturas para o seu mandato. Em troca pedia “apenas” uma loja. “Ia porta a porta recolher assinaturas, dei tudo o que tinha porque queria mesmo a loja. Há quem venha para receber uma casa ou dinheiro, eu só queria uma loja para poder ajudar os outros”, reforça.
Depois de muito esforço e algumas respostas negativas, o município conseguiu encontrar um espaço com uma renda mais barata. O espaço, situado no bairro do Alto da Loba, em Paço de Arcos, tem cerca de 60 metros quadrados e vende “um bocadinho de tudo”, como São costuma dizer.
Os produtos do Cantinho da Poupança custam entre 1€ a 5€. “Algumas pessoas pedem-me para utilizar o meu espaço para vender produtos, eu deixo e não cobro nada, mas não tenho controlo sobre o preço. No entanto, já me aconteceu pedirem para vender por 50€ por um móvel, chegou um cliente que me pediu para baixar o preço para 40€ e, se o vendedor não deixar, eu sou a primeira a correr com o móvel daqui. Temos de ser uns para os outros”, revela.
A oeirense, em colaboração com várias associações, embala todos os meses caixas com roupa e brinquedos para miúdos e mulheres de Moçambique, Angola e Cabo Verde”. Mas não só. “A semana passada soube da história de duas senhoras idosas do Alentejo, que já trabalharam uma vida inteira, mas que não tinham cama para dormir. Eu arranjei duas camas e enviei para lá”, afirma.
O espaço vende qualquer tipo de produto, usados, a preços muito baixos, mas a premissa inicial é “quem precisar, leva sem pagar”. De momento, a loja recebe doações. Conceição já não compra nenhum produto. Por isso, na sua opinião, não faz sentido cobrar preços elevados ou até algum tipo de valores a quem mais precisa.
“Qualquer pessoa que chegue à minha loja, seja de onde for, e precisar de roupa, brinquedos para miúdos, móveis, qualquer coisa, eu dou. Não preciso de papéis de agentes sociais, documentos, aqui funcionamos com honestidade”. No seguimento desta resposta, a New in Oeiras perguntou: “E como é que sabe que não lhe estão a mentir?”, ao que São respondeu, “é intuição”.
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