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Qual é o segredo das trufas, que custam 6 mil euros por quilo?

Muito difíceis de apanhar, são cobiçadas pelo aroma único. Quando abre a época da branca de Alba, os valores batem recordes.
Exemplares raros valem centenas de milhares de euros.

“Costumo dizer que ganhei o Euromilhões por três vezes. A primeira quando conheci a minha mulher, a segunda quanto tive os meus filhos e a terceira quando consegui trazer a trufa gigante para Portugal”, diz com orgulho o chef nepalês que se tornou famoso pela mestria na preparação de clássicos italianos. Há cerca de dois anos, Tanka Sapkota vivia um dos momentos mais felizes da sua vida.

Acordara cedo e antes de ir para o ginásio espreitou o telemóvel, algo que nem sequer era habitual. Por um acaso, viu a mensagem vinda de Itália: tinha sido encontrada uma trufa com quase 1,2 quilos, uma absoluta raridade. E estava ali à sua mercê.

“A minha mulher tinha acabado de acordar. Perguntei-lhe se queria comprar. Disse que tinha que pensar”, recorda. “Disse-lhe que ou era sim ou não. Respondeu sim e em dez minutos estava comprada.”

Alguns minutos depois, recebeu uma chamada. “Não lhe podemos vender a trufa”, ouviu do outro lado uma oferta que não se ficaria pela mera devolução do valor. “Ofereciam-me o dobro do dinheiro que eu tinha pago.”

A situação era fácil de perceber para quem conhece o custo e a raridade destes fungos, sobretudo os que ultrapassam a barreira dos cinco quilos, como era o caso. “Era a maior encontrada em Alba desde 2014. Trufas como esta podem chegar aos 300 ou 400 mil euros”, explica o chef nepalês, que recordava um exemplar de 1,4 quilos vendido por mais de 300 mil euros.

Obstinado e já com a advogada do seu lado, deixou uma ameaça: ou a trufa que havia sido comprada de forma legítima era enviada, ou avançaria para um pedido de indemnização no valor de meio milhão de euros. “Só passado uma semana é que aceitaram fazer a venda”, conta o chef do Come Prima, mas também do Forno D’Oro e da Casa Nepalesa.

A trufa gigante foi recebida em Lisboa e no Come Prima com toda a pompa. Ainda hoje Tanka se recusa a revelar quanto pagou por ela. “Muito menos do que o valor pelo qual poderia ter sido vendida”, assegura. Foi, ainda assim, uma espécie de ato de loucura, até porque obter rentabilidade financeira do investimento era “impossível”. O retorno foi a visibilidade.

“Valeu a pena porque ainda hoje há italianos que se perguntam como é que aquela trufa veio parar cá.” Não durou muito tempo na estante, até porque as mágicas trufas — sobretudo as de Alba, apanhadas apenas na região italiana de Piemonte, as mais famosas e mais aromáticas — começam a perder o seu cheiro sedutor ao fim de cinco a seis dias.

Sapkota, que todos os anos, quase religiosamente, dedica uma semana inteiramente à trufa branca de Alba, sabia que a de 2019 seria especial. Aquele “diamante da cozinha” foi inalado, devorado e aproveitado até ao fim. À medida que entramos novamente na época da trufa de Alba, o chef prepara-se mais uma vez para a semana especial que comemora desde 2007, mas este ano com dificuldades acrescidas.

“A trufa branca está com os preços mais elevados dos últimos 20 anos”, lamenta. Tudo por causa das pouco favoráveis condições meteorológicas dos últimos meses. A trufa, tal como qualquer matéria-prima de exceção, é extremamente caprichosa.

“Tem que chover à hora exata, receber a quantidade ideal de sol, tem que dar tudo certo. Este ano a coisa não correu muito bem — existem muito poucas trufas.” Se, em anos anteriores, o quilo rondava os três a quatro mil euros por quilo, o valor este ano dispara para os seis e sete mil euros.

O produto que se tornou quase omnipresente continua a gerar alguns equívocos. Sobretudo porque o aroma — é o odor que as distingue, muito mais do que o sabor, que é relativamente discreto — que é hoje quase sempre associado à trufa, pertence ao composto químico encontrado em diversos (e caros) azeites e pastas de trufa.

Quando indicam que são feitos com trufa verdadeira, muitas vezes os residuais vestígios nem têm qualquer influência no aroma, que continua a ser dado pelo químico sintético, o 2,4-ditiapentano.

O elevado preço tem uma explicação: a raridade. E são raros porque se tratam de fungos caprichosos. Crescem, ao contrário dos outros, debaixo da terra, numa relação simbiótica com as árvores — normalmente choupos e nogueiras, no caso dos de Alba — que permite que ambos beneficiem desta proximidade. Enquanto as trufas ajudam a árvore a captar fósforo do solo, as raízes devolvem glucose.

Precisam de condições meteorológicas quase perfeitas para crescerem, normalmente até ao tamanho de um pequeno morango — daí que casos especiais de trufas acima de um quilo sejam tão cobiçadas. Depois há que caçar as pérolas escondidas debaixo da terra, uma tarefa antigamente entregue aos porcos e hoje feita por cães devidamente treinados.

Se existem em vários territórios, as mais famosas continuam a ser as trufas pretas de Périgord, na França, e as brancas de Alba, Itália — embora também sejam cobiçadas as trufas brancas apanhadas na Croácia.

“A trufa de Alba é diferente”, explica Sapkota. “Tem um cheiro mais intenso do que qualquer outra, mesmo entre as brancas do resto da Itália ou Croácia. Não quer dizer que as outras trufas sejam más, mas esta é diferente.”

Se hoje o chef nepalês é um profundo apreciador de trufas, ele que também foi nomeado Cavaleiro da Ordem das Trufas e do Vinho de Alba — honra que recebeu em 2019, inscrito num restrito lote de 20 pessoas em todo o mundo, pelo seu trabalho na divulgação da especialidade italiana —, não o era quando, ainda a trabalhar e a viver na Alemanha, as provou pela primeira vez.

“Não fiquei com grande memória delas, não lhes dei grande valor”, conta. Haveria de se mudar para Portugal, onde percebeu que eram poucos os locais que a serviam. “O único era o Eleven onde se pagava 200€ por refeição. Pensei: ‘Porque é que eu não democratizo isto?’.”

Como faz sempre que encontra um novo interesse, leva a investigação a fundo. Em 2007 pegou nas malas, viajou até Alba e instalou-se na casa de um caçador de trufas. Durante duas semanas foi a sombra do italiano. “Fiquei em casa dele a caçar e a comer. Até trufas comíamos ao pequeno-almoço.”

A partir daí, todos os anos dedica uma semana à especialidade. “Tenho o orgulho de poder dizer que gastamos quase todos os dias um quilo de trufas. É incrível. As pessoas nem acreditam”, explica.

Este ano, o festim aromático arranca a 24 de novembro e prolonga-se até 4 de dezembro. Infelizmente, os preços serão mais elevados, dada a escassez das trufas brancas de Alba. “Teremos que cobrar mais 10€ em cada prato, em relação aos preços do ano passado”, avisa o chef.

Sapkota assume-se como um apaixonado por clássicos, sem pretensões de os modificar. É também por isso que, sem inventar, procura recriar aquilo a que chama “um milagre”, a combinação perfeita que complementa a trufa.

“Não acredito em milagres, mas trufa com massa fresca e um ovo com a cozedura certa — isso é um milagre”, explica. “Existem trufas de vários tipos, umas são só para matar saudades, mas a branca de Alba permite fazer esses milagres.”

É esta a combinação estrela da carta com cinco pratos que fazem brilhar a especialidade: a pasta fresca cabelo de anjo com manteiga e trufa branca (51,50€). Existem também raviolis com recheio de ricotta e fontina, com manteiga, parmesão e trufa (51,90€) e escalopes de vitela fritos em manteiga com pasta cabelo de anjo, manteiga e trufa (59,90€).

Se quiser fazer uma refeição completa com trufas, pode pedir também as duas entradas: ovos mexidos com manteiga, pão torrado e trufa (44,90€) ou ovos a baixa temperatura com trufa (44,90€). Este último, pelo cuidado envolvido na confeção, deve ser pedido uma hora antes da chegada ao restaurante. A reserva é, claro, obrigatória, sendo que os pratos só são servidos ao jantar.

A delicadeza da trufa exige que estes pratos sejam servidos com regras muito rígidas. A primeira, declara Sapkota, é que seja sempre cortada e colocada no prato já na mesa, em frente ao cliente. Segunda regra: “o prato que vai levar a trufa não pode ter qualquer outro cheiro que não o da manteiga, parmesão ou ovo; se alguém receber um prato que já cheira a trufa, pode estar a ser enganado”.

Recorda uma má experiência vivida em Lisboa. “Comi num restaurante que me trouxe o prato já com a trufa. É um crime vir já cortada da cozinha. Um crime”, exclama. “Nós, no Come Prima, recusamo-nos a fazer isso e, por exemplo, também não vendemos pratos com trufa para take-away. Chegaram a pedir-nos, mas dissemos que não. Nem fazemos isso com a trufa preta sequer.

A fama de Sapkota entre as trufas leva a outra curiosidade. É normal receber fotografias de potenciais trufas enviadas por portugueses esperançosos de terem encontrado uma pequena pérola no seu terreno. “Recebemos mesmo muitas fotografias, mas ainda não foi encontrada nenhuma.” Será que haverá trufas escondidas por esse País fora? Ninguém tem a certeza, mas até hoje não há provas de que cresçam mesmo por aí.

Enquanto isso não acontece, teremos que nos contentar com as que chegam de fora. Mas para Sapkota, nenhuma bate a magia da branca de Alba. “Digo que a trufa preta serve para matar saudades. A trufa de Périgord é para apreciar. A branca? Essa é um sonho.”

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