O acaso (e a necessidade de servir uma sala cheia de clientes) levaram o jovem Ademiro Almeida, na época, a aprender a fazer o prato mais famoso do seu país. A cachupa, tradicional de Cabo Verde, era servida no lendário restaurante Monte Cara, em Lisboa, aberto em 1975 pelo seu pai, o famoso músico Bana. Um dia, a cozinheira faltou e foi Ademiro que assumiu as rédeas. O único problema: não sabia fazer cachupa e quem podia ensiná-lo não estava por lá.
“Tínhamos um jantar para 40 pessoas, era o aniversário de um político. A cozinheira não foi trabalhar e fiquei aflito. Tive de ligar à minha madrasta para ela me ir dizendo os ingredientes que precisava de ir pondo na panela. Fiz a minha primeira cachupa por telefone. Acabou por correr bem e foi a partir daí que ganhei o gosto”, conta o chef, agora com 68 anos, à New in Oeiras.
Esta é uma das muitas histórias que marcam a vida deste cabo-verdiano, nascido na ilha de São Vicente. Conhecemo-lo como chef do Cachupa à Margem, o novo espaço em Linda-a-Velha, que só serve cachupa (tal como o nome indica) e funciona apenas com serviço de take-away e entregas. Aberto desde 9 de julho, o conceito já vinha a ser pensado há algum tempo pelos sócios Pedro Vaz e Tiago Gamboa e, para comandar a cozinha, só havia um nome em mente: o chef Ademiro Almeida.
“Conhecemos o Ademiro há muitos anos, comemos cachupa há mais de 30 anos e, para nós, esta é a melhor do País, reconhecida por muita gente”, sublinha Tiago Gamboa. “Já conheço o Tiago e o Pedro há muitos anos, eram nossos clientes. Explicaram-me o conceito e apaixonei-me pela ideia. Decidi agarrar a oportunidade e caminhar com eles neste projeto, que acredito ter pernas para andar”, afirma Ademiro.
No entanto, até aqui chegar, este cozinheiro de mão cheia passou por muitos outros espaços de restauração. Depois de aprender os segredos de uma boa cachupa (que contou à NiO neste artigo), foi aperfeiçoando as técnicas e aprendendo novos pratos. No entanto, é a especialidade cabo-verdiana, que faz há cerca de 50 anos, que lhe traz o maior reconhecimento.
“Já tinha algum prazer na cozinha, quando comecei. Aprendi em casa do meu pai, que gostava muito de fazer jantaradas com música. A minha madrasta era muito boa cozinheira e eu gostava de ajudar, descascar os ingredientes, etc. Fui espreitando e aprendendo a fazer, com 18 anos, quando vim para Portugal estudar. Depois dos ensinamentos que aprendi em casa, fui lendo mais coisas, desenvolvendo outras técnicas”, conta.
“Ao longo dos anos fui trabalhando com pratos cabo-verdianos e portugueses, mas sou mesmo é especialista em cachupa. Às vezes, na brincadeira, digo que não deve haver ninguém que já tenha feito tanta cachupa como eu. São muitos anos, todos os dias”, revela o chef.
Apesar de ter seguido uma profissão diferente do pai, Ademiro tem no ADN a herança cultural que este lhe deixou. “Uma pessoa até ter nome próprio, é sempre ‘filho de’. Mas tenho muito orgulho nisso e cresci a gostar muito de música. Hoje, quando estou a trabalhar tenho sempre música de fundo. E quando não tenho, canto. É quase uma ligação obrigatória entre a nossa comida e a nossa música”, sublinha.
O cozinheiro recorda com saudade os tempos passados no Monte Cara, o primeiro restaurante a trazer a cultura e gastronomia de Cabo Verde para Lisboa. Esteve em funcionamento até ao início dos anos 90 e por lá passaram os grandes nomes da música cabo-verdiana.
“Sempre que trabalhei com o meu pai, a comida era acompanhada por música ao vivo. Quer nos jantares que fazia em casa, quer nos projetos de restauração que ele abraçou. Entrava sempre a tocar música ao vivo e foi sempre do melhor que se produzia. Sempre tivemos os melhores artistas de Cabo Verde presentes, nem vale a pena mencionar os nomes, porque se me referir alguns, vou dizer ‘sim, sim e sim’. Ouvi todos, estive com todos, sou amigo de todos”. Armando Tito, Celina Pereira ou Cesária Évora são alguns dos artistas que por lá passaram.
“Isso acontecia numa altura em que a música africana ainda nem era muito conhecida cá em Portugal, depois foi-se democratizando. Acho que foi a partir do Monte Cara que os portugueses começaram a descobrir mais os artistas, os jornalistas a prestar atenção e os músicos a ser convidados para irem aos programas de televisão”, recorda.
Além do Monte Cara, Ademiro tem no seu percurso profissional outro espaço de grande revelo e importância para a cultura cabo-verdiana, em Lisboa. Falamos da Casa da Morna, onde esteve entre 2002 a 2010, juntamente com Tito Paris e Miguel Anacoreta. O famoso restaurante de Alcântara atraía quem queria provar ou matar saudades dos sabores africanos na capital portuguesa.
Hoje, Ademiro faz aquilo que gosta e sabe. Surpreende-se por haver ainda muita gente que nunca experimentou cachupa e garante que é um prato que agrada a todas as idades, nacionalidades e gostos, basta provar. Aceite o convite do chef e tire a sua própria conclusão.